quinta-feira, 17 de março de 2011

Os benefícios da interdisciplinaridade na construção de um olhar próprio para a Comunicação


Sempre fui admiradora das intersecções entre a Comunicação Organizacional e outros campos da ciência, tais como sociologia, antropologia, psicologia e semiótica. Entendo como bastante enriquecedor estabelecer conexões entre estas disciplinas e os temas intrínsecos à área de comunicação interna e cultura organizacional, por exemplo.

Neste sentido, penso que, enquanto pesquisadores de Comunicação, somos privilegiados, uma vez que essa abertura aos outros campos teóricos existe desde a origem da área, e o resultado disso tem sido a obtenção de aporte e contribuições das demais esferas científicas à área, e, com isso, o desenvolvimento da nossa capacidade de lançar um olhar ainda mais reflexivo sobre as inquietações e objetos de estudos da Comunicação.

Ou seja, essa natureza interdisciplinar - que busca o entrecruzamento de diferentes contribuições científicas - é uma tradição da área que, desde sua origem, foi profundamente influenciada por diversas correntes de teorias da Comunicação que tiveram seu embasamento nos campos da semiologia, antropologia, psicologia, etc.

Além deste seu aspecto histórico, a interdisciplinaridade, também se configura como uma tendência na medida em que reflete e reforça os debates híbridos da atualidade que, como observa a autora Vera França*, favorecem o “espírito da nossa época que chama aos transbordamentos, à mistura e estimula a diluição dos feudos, das demarcações rígidas de terreno”.

A autora - que inspirou a reflexão em questão – também contrapõe a ideia de que o “rótulo da interdisciplinaridade estaria resultando na falta de especificidade da Comunicação, enquanto objeto de estudo”. Assim, ela provoca:

“O lugar da comunicação apresenta um olhar próprio? Uma outra compreensão, uma nova contribuição que vai se somar às demais? Ou nós, pesquisadores da comunicação, apenas recolhemos e repetimos as análises feitas nas outras áreas?”

Neste mesmo contexto, a própria autora legitima a Comunicação como um “lugar de conhecimento” que cultiva um viés, um olhar próprio cuja especificidade se propõe a alcançar a interseção de três dinâmicas básicas:
- o quadro relacional (relação dos interlocutores) que pode, eventualmente, ser inspirado pelo olhar sociológico;
- a produção de sentidos (as práticas discursivas) que pode, eventualmente, ser entendido por meio da linguística;
- a situação sócio-cultural (o contexto) que pode, eventualmente, ser entendida pelo olhar antropológico;

A Comunicação, ao desenvolver este viés que dialoga com todas as perspectivas, tem condições de assegurar um olhar especializado, inerente à nossa natureza teórica e prática, que possibilita “um lugar frutífero para analisar e compreender a realidade em que vivemos” e, ao mesmo tempo, estimula “um processo comunicativo de algo vivo, dinâmico, instituidor de sentidos e de relações; lugar não apenas onde os sujeitos dizem, mas também assumem papéis e se constroem socialmente; espaço de realização e renovação da cultura”.

Na minha visão, todas as contribuições de outras áreas da Ciência são valiosas e nosso caráter interdisciplinar deve ser mantido e estimulado, não apenas por que reflete uma tendência contemporânea da ciência de buscar confluências entre diversas áreas do conhecimento. Mas também porque essa característica interdisciplinar, ao contrário do que se possa questionar, não nos delimita enquanto Ciência, e, sim, possibilita o desenvolvimento deste olhar especializado, próprio.

Ao buscar a especificidade deste olhar da comunicação, mais amplo e dialógico - e que considera as três dinâmicas básicas mencionadas anteriormente - teremos condições de quebrar, cada vez mais, o paradigma informacional de comunicação, praticamente hegemônico, cuja abordagem simplista e simplificadora caracterizam um modelo mecanicista de transmissão de mensagens.

Com este olhar mais consolidado e paradigmas quebrados, será possível experimentar com mais confiança, a prática de modelos de comunicação dialógicos e deliberativos como, por exemplo, o que dissertei no último post.

Esta prática, certamente, favorecerá espaço e condições para que, empiricamente, possamos experimentar e analisar os novos modelos de comunicação, bem como seus resultados e evidências, e, a partir deles, produzir conclusões que possam compor e inspirar a conceituação epistemológica da Comunicação, corroborando nossa autonomia e relevância enquanto Ciência que possui um olhar próprio e que gera contribuições singulares.

Fonte: FRANÇA, V – “Paradigmas da Comunicação: conhecer o que?”. Trabalho apresentado no 9º encontro anual da COMPÓS. UnB, DF, 6 a 9 de junho de 2001.

terça-feira, 1 de março de 2011

Comunicação via humanização: Um risco ou uma necessidade?

Sempre fui um pouco cética no que diz respeito às reflexões amplamente teóricas que não me pareciam aplicáveis à realidade organizacional. Até que tive a oportunidade de conhecer as reflexões críticas sobre comunicação e humanização nas organizações de Dennis Mumby, um dos mais respeitados estudiosos e pesquisadores da Comunicação Organizacional no mundo.

Em sua teoria crítica, o autor abre perspectivas sobre como a comunicação via humanização estabelece um diálogo entre os interlocutores que dinamiza as relações, por meio da interatividade, possibilitando espaço para deliberação e negociação entre os agentes da comunicação e assegurando que sentidos seja construídos em conjunto.

Este conceito de comunicação que, na minha visão, está ainda na teoria e não permeou a prática, desestabilizaria as práticas de poder e resistência por parte das organizações. Explico: quando conceitos são divulgados, numa abordagem da alta direção às demais camadas da organização, por meio da comunicação interna, significados são construídos a partir de relações de poder e de perspectivas concebidas pelas lideranças. As mensagens disseminadas pela comunicação organizacional têm sua origem neste contexto e refletem a ambição das corporações de fazer com que os funcionários internalizem a visão de mundo e estratégia da organização.

Assumimos, então, que a comunicação via humanização, por sua vez, está orientada para uma abordagem relacional, onde buscamos um diálogo não “por que nos simpatizamos uns com os outros, mas por que damos atenção às diferenças que desafiam nossa compreensão do senso comum de como o mundo funciona”. A partir dessa premissa, compartilho da visão do autor sobre o quanto essas interações colaborativas desafiam as posições de poder vigente possibilitando que “aquilo que é dado como certo seja reformulado à luz das diferenças entre os interlocutores”.

Partindo para um contexto mais específico, proponho a seguinte reflexão: será que não é o risco de desestabilizar o “status quo” que incomoda as organizações quando do uso das mídias sociais na comunicação interna? A dinâmica do uso das mídias sociais propõe uma comunicação essencialmente humanizada, pois é instável, incerta, reproduzida a partir do discurso de seus membros e, por isso, fragilizaria o poder nas organizações na medida em que permite:

a)      acesso ao poder de decisão: possibilidade de falar e ser ouvido em tempo real
b)      poder para influenciar pessoas, processos e seus resultados
c)      acesso à informação e análise adequada de seu conteúdo (lembrando que, para muitos, informação ainda é poder...)
d)     intensifica o processo aberto de deliberação e tomada de decisão

E será que não é isso que as organizações precisam e, ao mesmo tempo, temem? A possibilidade de deliberação e diálogo já se reflete em outras instâncias da vida do funcionário, na medida em que ele pode exercer sua influência como cidadão e consumidor, por exemplo. Por que não em seu ambiente de trabalho?

Será que não é pertinente que as organizações percebam seus funcionários como seres complexos que podem contribuir, colaborar, deliberar sem que isso represente uma ameaça ao que é vigente?

Para complementar, gosto da ideia que o autor apresenta de estabelecer, em linha com estes desafios, uma comunicação compassiva: notar, sentir, responder. Ou seja, se abrir ao que acontece ao seu redor, reconhecer as necessidades dos funcionários e agir a fim de fomentar a reciprocidade.

Na era da deliberação e diálogo aberto como a que vivenciamos, já não é possível moldar a ideia das pessoas em linha com a realidade organizacional. Os funcionários têm experiências e relacionamentos únicos e próprios que não são necessariamente permeados e/ou mediados pela lógica corporativa. E ao se comunicar de forma deliberativa e relacional, as organizações têm a oportunidade ímpar de “considerar o outro não como alguém que precisa ser incorporado à sua visão de mundo, mas sim como alguém diferente”.

Alguém que “apresenta um horizonte de possibilidades diferente do nosso e que representa um risco para nós, por que se engajar ao seu horizonte nos abre a possibilidade de mudança e transformação”.

Mudança e transformação. Não é disso que precisamos?!

MUMBY, Denis. Reflexões críticas sobre comunicação nas organizações. In: Kunsch (org). A comunicação como fator de humanização das organizações. São Paulo: Difusão, 2010, p. 19 – 39.